Não preciso de acrescentar nada ao que abaixo
é dito. Vítor Gaspar, antes de bater com a porta, quis deixar mais uma marca da
soberba e da insensibilidade com que olha a vida dos portugueses.
Correr riscos destes não é legítimo e deveria
ser vedado a qualquer governante.
Por isso, pergunto se não teremos de começar
a julgar estes senhores, nos tribunais, pelas consequências da má gestão da res publica (=coisa pública, coisa do
povo). É que perder as eleições a seguir… NÃO BASTA!
O assalto aos fundos da Segurança Social
comunicado de imprensa de Vítor Lima e Rui Viana Pereira[1]
O último acto oficial do ex-ministro
das Finanças Vítor Gaspar foi uma portaria assinada em parceria com o ministro
da Solidariedade e da Segurança Social, Mota Soares.[2] Este
diploma obriga o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS)
a comprar dívida pública portuguesa até ao limite de 90% da sua capacidade de
investimento financeiro. Para cumprir este objectivo, o FEFSS terá de vender os
seus activos em carteira – ou seja, abrir mão de um conjunto diversificado de
investimentos seguros, onde se incluem acções de empresas e títulos de dívida
de outros países da OCDE.[3]
Em primeiro lugar há que notar um
erro de palmatória em matéria de investimentos: o FEFSS é obrigado a pôr todos
os ovos no cesto da dívida pública. Ao primeiro trambolhão que o cesto sofra,
perdem-se duma assentada décadas de quotizações dos trabalhadores – ou seja, as
suas reformas.
Além disso monta-se uma curiosa
pescadinha de rabo na boca: os trabalhadores por conta de outrem são obrigados
a comprar com as suas poupanças (as quotizações para a Segurança Social)
títulos da dívida pública que os sufoca. E depois, através dos impostos, eles
próprios vão pagar os respectivos juros que deviam receber! Em suma: os
trabalhadores ficam obrigados por lei a comprar a corda que vai enforcá-los.
[1] Os autores:
Vítor Lima: economista; autor de numerosos estudos
sobre economia, finanças e segurança social publicados em http://grazia-tanta.blogspot.pt/.
Rui Viana Pereira: revisor e tradutor; co-autor de Quem Paga o Estado Social em Portugal? e de «E Se Houvesse Pleno Emprego?», in A Segurança Social É Sustentável (Bertrand, Lisboa, 2012 e 2013
respectivamente); co-fundador do CADPP.
Ambos são membros activos do grupo cívico Democracia
& Dívida.
[2] Portaria n.º 216-A/2013, de 2 de Julho.
[3] «Actualmente, 55% da carteira do FEFSS
está investida em dívida pública portuguesa e 25% em dívida pública de outros
Estados da OCDE. Existe ainda uma parcela de 17% investida em acções de
empresas estrangeiras.» (ibidem)
[4] Ver, entre outros: António Bagão Félix, Jornal de Negócios, 9-07-2013; Vítor Lima, A dívida à Segurança Social - o longo conluio entre empresários manhosos e
o Estado (2013); Renato Guedes e Rui Viana Pereira, Quem Paga O Estado Social em Portugal? (2012).
[5] Consoante as flutuações de mercado, em
particular da dívida portuguesa.
vi O FEFSS é gerido pelo Instituto de Gestão
de Fundos de Capitalização da Segurança Social (IGFCSS), um órgão que pretende
garantir a «manutenção da sustentabilidade do actual sistema de segurança
social», através da aplicação financeira de «uma parcela entre 2 e 4 pontos
percentuais do valor correspondente às quotizações dos trabalhadores por conta
de outrem, além dos saldos anuais do subsistema previdencial, receitas
resultantes da alienação de património e os ganhos obtidos nas aplicações
financeiras» (Portaria 1273/2004 http://www4.seg-social.pt/documents/10152/21719/Port_1273_2004).
A este comunicado enviado à imprensa os autores aproveitam a publicação
neste site para acrescentarem o seguinte:
Os eixos centrais da acção na fase
actual
O assalto à Segurança Social
tornou-se, em Portugal, um dos epicentros da política neoliberal, a par de
outros dois: o desemprego e a precarização sistemática das relações de
trabalho.
Ao dizermos «epicentro»,
referimo-nos àquilo que mais imediatamente é visível e sentido pela maioria da
população – e que por isso mesmo mais facilmente (e com maior proveito
imediato) pode ser mobilizador. É nestes três epicentros que se devem apostar
os cartuchos – e não em manobras políticas institucionais às quais uma grande
parte da população portuguesa, já demasiado escaldada, tenderá naturalmente a encolher
os ombros e virar costas.
A Segurança Social é uma das
conquistas mais notáveis e necessárias à sobrevivência dos trabalhadores. Não
atender a este epicentro da luta das populações, não o colocar no eixo das
propostas de acção política, organizativa e mobilizadora, corresponde a uma
traição com efeitos devastadores, incluindo perda de vidas.
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