Pim, pam, pum
Pim, pam, pum
Cada bola mata um
Da galinha p’ró perú
Quem se livra és tu!
Criação de Augusto Santa-Rita
O dirigente francês da
Frente de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, descrê de uma crise do capitalismo e
prefere opor-lhe o conceito de «bifurcação». Define-o como uma «dinâmica»
interna do sistema, opondo a opção conservadora, inerente a todas as
sociedades, à da ruptura, que mobiliza a vontade individual. Daí afirmar que
«há uma falsa oposição entre o conceito de cidadão e de proletário», pois os
cidadãos que fazem os movimentos de protesto em Istambul ou em São Paulo vêm da
mesma classe social que na fábrica se organiza em sindicatos.
É uma análise
interessante, a que o jornal i dá
largo eco na sua edição de 15/7/13 e de que se retiram alguns excertos em Registos de leitura. Revela-se
frontalmente contrário ao ideário social-democrata, que qualifica de «tóxico» e
aconselha «os camaradas do Bloco de Esquerda e do PCP» a cortarem pontes com o
PS, para evitar caírem num «canto das sereias». Dito pelo próprio: «Os portugueses
podem pensar que votando na social-democracia garantem uma alternativa.
Pessoalmente desaconselhar-lhes-ia essa ilusão».
A crer nas declarações
do secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, e dos coordenadores do BE, João
Semedo e Catarina Martins, os conselhos de Mélenchon foram aceites.
Disse Jerónimo de
Sousa: «O PS tem o direito e a liberdade de se juntar com quem quiser, não pode
é pedir ao PCP que se junte àqueles que realizaram esta política de direita que
tanto mal fez ao nosso povo».
Disse Catarina
Martins: «Mais cedo do que tarde o Partido Socialista terá de se definir. Se
quer uma nova política ou se quer negociar a manutenção da mesma política de
austeridade».
Estas proclamações,
mais do que declarações, foram proferidas no mesmo dia em que o líder
parlamentar do PS, Carlos Zorrinho, indicou que o seu grupo parlamentar ia
votar a favor da moção de censura de Os Verdes, na próxima quinta-feira: «O PS
tem vindo, com toda a naturalidade, a censurar o funcionamento deste governo
esgotado e falhado. Apresentámos, aliás, há cerca de dois meses uma moção de
censura e é por isso com toda a normalidade que vamos votar a favor da moção de
censura pelos Verdes».
O Expresso, na sua
edição deste último sábado dava conta de que a mais recente sondagem revelava a
seguinte projeção de intenção de voto: PS – 37%; CDU – 12%; BE – 8%; PSD – 25%;
CDS – 8%. Seguindo os conselhos de Mélenchon, as próximas legislativas, que
serão antecipadas e podem realizar-se ainda este ano, serão ganhas pela
coligação de direita, que somada faz 33%. Do outro lado fica uma maioria de 57%,
que desde o 25 de Abril se define como de «povo de esquerda», mas ainda não
compreendeu a «bifurcação» que lhes é proposta pela direção do PCP nem do BE.
Apesar de Mélenchon
considerar prioritária a queda do presidente socialista francês, F. Hollande,
quem está mesmo na corda bamba é o primeiro-ministro da direita espanhola,
Mariano Rajoy, acusado pelo antigo tesoureiro do Partido Popular espanhol, o
«multimilionário Luís Barcenás», na qualificação do El País, de ter recebido
milhões de pesetas e euros, ao longo de 20 anos, escondidos em caixas de
charutos e envelopes, para fugir ao fisco. Dinheiro vindo de empresários,
esperando uma contrapartida para o êxito dos seus negócios.
Uma situação a que a
súbita reivindicação de cem milhões de euros ao Estado, por parte do BIC, de
Mira Amaral, dá grande acuidade. Segundo o que Cristina Ferreira escreveu no
Público de segunda-feira (15/7/13) «O BIC Portugal reclama do Estado reembolsos
no valor de cerca de 100 milhões de euros, relativos ao BPN, e que estão
relacionados com as contingências decorrentes do acordo de privatização
celebrado em Março de 2012». Recorde-se que o BPN foi vendido por 40 milhões de
euros ao BIC, em condições fixadas pelo próprio BIC.
O desfalque do BPN
está estimado em mais de 6,3 mil milhões de euros. O assunto anda em trânsito
nos meandros dos tribunais desde 2008, ano em que o banco de Oliveira e Costa,
Dias Loureiro e outros antigos ministros dos governos de Cavaco Silva foi à
falência e, para evitar o «risco sistémico», foi nacionalizado pelo executivo
governamental de José Sócrates.
Os meandros da
privatização e posterior venda do BPN ao BIC, que envolvem estes prémios de cem
milhões de euros a posteriori, são explicados
na peça jornalística de Cristina Ferreira, de que se cita o comentário que a
acompanha, igualmente da sua autoria.
Um banco no centro de teias partidárias
As interrogações à
volta do BPN têm sido uma marca que o acompanha desde o início da década
passada. O debate acendeu-se com a estatização e a decisão de injectar fundos
públicos, em plena crise, para salvar um banco. As dúvidas agudizaram-se quando
se ficou a saber que a instituição tinha sido alvo de uma mega-fraude levada a
cabo pela administração.
Para além das más
práticas de gestão, das suas relações promíscuas com os accionistas, a forte
ligação do banco ao universo partidário fez com que a nacionalização tivesse
repercussões políticas. Vários dirigentes do PSD, assim como ex-governantes do
universo social-democrata foram recrutados para a esfera do BPN, com alguns a
desempenharem um papel determinante na vida da instituição.
Os casos mais
emblemáticos foram os de José Oliveira Costa, ex-secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais do actual Presidente da República, e o de Dias Loureiro
(gestor e accionista), ex-conselheiro de Estado e ex-ministro da Administração
Interna de Cavaco Silva. Mas nos corpos sociais do grupo SLN/BPN pontuavam
outras personalidades como Rui Machete, ex-ministro da Defesa e
ex-vice-primeiro-ministro de um governo do bloco central, ou Daniel Sanches,
ministro da Administração Interna de Santana Lopes.
Entre os clientes e
accionistas da SLN/SLN com ligações ao PSD estão Duarte Lima (deputado,
vice-presidente do PSD, assessor politico do ex-ministro Ângelo Correia),
Arlindo Carvalho (ex-ministro da Saúde de Cavaco), Joaquim Coimbra, da direcção
social-democrata. Ou a própria família Cavaco Silva. Antes de se candidatar a
Belém, Cavaco e a filha venderam as acções da SLN a Oliveira Costa com um ganho
de 350 mil euros.
Mas o dossier BPN tem outra dimensão igualmente
controversa. É que os reguladores, o Banco de Portugal e a CMVM não detectaram,
ou não perceberam, ao longo de quase dez anos o que se passava na instituição,
apesar dos sinais públicos que foram surgindo, em especial, a partir de 2003.
E, mesmo perante várias denúncias e avisos que partiram quer da comunicação
social, quer de gestores e de auditores externos que se recusaram a certificar
as contas do BPN/SLN, os dois supervisores não actuaram.
E se actuaram foi sem
consequências.
C. F.
Registos de leitura
Excertos da entrevista de Jean-Luc Mélenchon,
dirigente do Front de Gauche (Frente de Esquerda) francês ao jornal i de
15/7/13, feita por Nuno Ramos de Almeida.
Jean- Luc Mélenchon – foto: António Pedrosa, jornal i
A palavra “crise” [do
capitalismo] é completamente inadaptada. Não penso que as nossas sociedades
estejam numa crise. A ideia de crise dá a entender que é possível regressar à
situação que tínhamos antes. Ora aquilo que se produziu não permite que
regressemos ao ponto que estávamos antes da “crise”.
…
O conceito de
bifurcação é mais rico que o conceito de crise, porque tem em conta a dinâmica
do sistema e liberta-nos de todo o tipo de explicações sofisticadas, como as
que recorrem à dialéctica, que sempre me pareceram metafísicas, como a ideia da
transformação da quantidade em qualidade.
…
Há camaradas que só
imaginam a classe social na fábrica. Quando o mesmo trabalhador está na rua a
defender os transportes públicos acessíveis, o direito à habitação ou a
qualidade da água, diriam que ele já não é um trabalhador. Mas claro que
continua a ser um trabalhador. E é justamente porque é um trabalhador e um assalariado
que defende um salário digno e tem uma exigência sobre a existência e a
qualidade dos serviços públicos. Penso que há uma falsa oposição entre o
conceito de cidadão e de proletário.
…
Se pensamos em termos
de revolução cidadã temos uma boa bússola para governar de outra maneira, para
aprofundar uma partilha mais radical de riqueza no país, Dilma Rousseff não a
pode realizar sozinha, deve apoiar-se neste movimento. Não deve limitar-se a
convocar gente para falar com ela no quadro actual, mas convocar uma Assembleia
Constituinte e eleger deputados para decidirem as regras do jogo.
…
A política europeia
aparece como uma conjugação dos interesses do capital financeiro com um governo
específico da Alemanha, o da CDU/CSU, que é resultante da situação da Alemanha,
da sua história, da reunificação da Alemanha, junto com um parâmetro que é o
envelhecimento da população (…)
…
Os portugueses podem
pensar que votando na social-democracia garantem uma alternativa. Pessoalmente
desaconselhar-lhes-ia essa ilusão. A única maneira de fazer mexer a
social-democracia é a outra esquerda ultrapassá-la nas urnas.
…
sem os nossos 4
milhões de votos Sarkozy não teria sido vencido: a derrota foi por um milhão de
votos. Fomos nós que demos a vitória a Hollande. Em qualquer regime democrático
do mundo, aquele que ganhou leva em conta os votos que o ajudaram a triunfar.
Aqui, no momento preciso em que ele ganhou, divorciou-se daqueles que o
elegeram, e o divórcio toma a forma da rejeição brutal e violenta da Frente de
Esquerda.
…
A estratégia de
combate político não pode ser senão tentar unificar todos os sectores que se
opõem à política de austeridade em torno da Frente de Esquerda para
conseguirmos ultrapassar os socialistas. É um combate permanente, esperamos
brevemente ver os ecologistas juntarem-se a nós contra estas políticas de
austeridade.
…
são muito difíceis as
condições em que nos batemos. É preciso ter em conta o nosso ponto de partida.
A relação de um partido com um povo constrói-se no tempo e com a experiência. O
que se passa é que aquilo que se chama esquerda tem um produto tóxico, e este
produto tóxico é a social-democracia.
…
É uma realidade que
pode desaparecer em dez dias [o euro]. Basta Portugal não pagar e temos uma
crise que pode levar ao fim da moeda única. Sobre isso podemos apelar ao
exemplo de Diógenes quando vários filósofos discutiam há horas se o real
existia. Diógenes arranja um tronco de árvore, chega e começa a bater em todos
e diz: “É este o meu argumento.” Podemos discutir o euro durante horas, mas
enquanto o fazemos ele pode pura e simplesmente afundar-se e por uma razão não
prevista.
…
Resumindo, este euro
não tem condições para se aguentar. Agora resta saber se é conveniente que se
aguente. Para o seu futuro é determinante quem vai estar no poder na Europa,
quem vai poder fazer um contraponto à política alemã. É completamente diferente
um continente em que, por exemplo, em França, na Grécia e em Portugal possam
ser eleitos governos verdadeiramente de esquerda.
ANTÓNIO
MELO
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