quarta-feira, 31 de julho de 2013

Acabar com a letargia

Já aqui falámos deste assunto, mas nunca é de mais alertar para as medidas criminosas que se continuam a tomar, sem que nos apercebamos dos perigos que elas encerram e das consequências que podem vir a ter nas nossas vidas.
Por isso, aqui fica a opinião de Fernando Dacosta. Mais um grito para nos acordar.

 
Tiro de misericórdia
 
No último dia como ministro das Finanças, Vítor Gaspar assinou um decreto que pode liquidar a vida de, pelo menos, 3 milhões de portugueses. Esse decreto determina que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (que geria uma carteira de 10 mil milhões de euros) "terá de adquirir 4,5 mil milhões de euros de dívida soberana".
Sabendo-se que o referido fundo foi criado como reserva para assegurar, em caso de colapso do Estado, os direitos dos reformados, pensionistas, desempregados e afins durante dois anos (segundo o articulado de lei de bases), o golpe em perspectiva representa o risco de uma descomunal tragédia entre nós.
Lembremos que dos rendimentos dos seniores vivem hoje gerações de filhos e netos seus, sem emprego, sem recursos, sem amparo, sem futuro. Lembremos ainda que os últimos governos têm sido useiros no desvio de verbas da Segurança Social para pagamentos de despesas correntes - "o que qualquer medíocre gestor de fundos sabe que não se deve fazer", comenta, a propósito, Nicolau Santos no "Expresso".
Em 2010, dos 223,4 milhões de euros que deviam ser transferidos para o fundo em causa, o executivo apenas entregou 1,3 milhões.
Após ter semidestruído Portugal economicamente, socialmente, familiarmente, psicologicamente, com total impunidade e arrogância, Vítor Gaspar deixa, ao escapar-se, apontado um tiro de misericórdia aos idosos (e não só), depois de os ter desgraçado com o seu implacável autismo governamental. Sindicatos, partidos, oposições, igrejas, comentadores, economistas, intelectuais meteram, por sua vez, a viola no saco ante mais esta infâmia - entretanto, os papagaios de serviço aterrorizam as populações com a insustentabilidade da Segurança Social.
 
Fernando Dacosta, Jornal i online (25 JULHO 2013)

Esta gente dá-se muito mal com as previsões



segunda-feira, 29 de julho de 2013

Brrr… tenham medo, muito medo!

 

Registo de leituras

Os jornais deste fim-de-semana alinharam sem exceção pelo padrão do castigo a quem se porta mal. Os mal comportados são, obviamente, os portugueses sem contas bancárias acima dos cem mil euros.
O Expresso, o de maior influência política nos cafés e nas praias, foi o que levou mais longe este medo dos fantasmas.
Num artigo de p. 3, que traz a assinatura do diretor, Ricardo Costa, e de um “sénior” em questões europeias, Daniel do Rosário, abre-se a torneira das fontes nunca citadas.
É de tal modo uma prosa feita à mesa da redação, com o telefone ligado «a uma fonte» que merece ser reproduzido.
Lá para o fim vem o nome de Durão Barroso a estender, ríspido, o dedo ao PS, mas nem isso é notícia – trata-se de uma declaração de quarta-feira passada, dia 24, descontextualizada, a propósito da remodelação governamental.
Na atitude própria a quem recebe e leva, os dois autores da «Crise trava negociação do défice para 2014», sublinham, na parte final, o sentido da prosa: «Não obstante, o envolvimento do PS no processo é desejado por Bruxelas: ‘Seria útil’, admite uma fonte europeia (…)». Sobre o que deixava entender o título, nada de concreto, as negociações com os credores nunca foram tão difíceis e etc. e tal.
É certo que há bruxas e bruxos, mas esconde-los atrás de fantasmas evanescentes dá mau resultado, por definição são transparentes e vê-se a mãozinha que os faz mover.
Basta seguir o carinho de Passos Coelho pelo «Portugal profundo», a receber a medalha de ouro municipal em Vila de Rei, Pombal…
Cavaco Silva, Presidente da República, dá um empurrãozinho para ver se as eleições autárquicas não são um desastre eleitoral.
A apatia estival favorece-os. O futuro dos portugueses que vivem do que ganham e das suas pensões é nebuloso e nem o sol de agosto o dissipa.

Vamos a eles?

António Melo

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Todos os ovos num cesto cheio de buracos

Não preciso de acrescentar nada ao que abaixo é dito. Vítor Gaspar, antes de bater com a porta, quis deixar mais uma marca da soberba e da insensibilidade com que olha a vida dos portugueses.
Correr riscos destes não é legítimo e deveria ser vedado a qualquer governante.
Por isso, pergunto se não teremos de começar a julgar estes senhores, nos tribunais, pelas consequências da má gestão da res publica (=coisa pública, coisa do povo). É que perder as eleições a seguir… NÃO BASTA!
 
 
O assalto aos fundos da Segurança Social
 
comunicado de imprensa de Vítor Lima e Rui Viana Pereira[1]
 
O último acto oficial do ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar foi uma portaria assinada em parceria com o ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Mota Soares.[2] Este diploma obriga o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) a comprar dívida pública portuguesa até ao limite de 90% da sua capacidade de investimento financeiro. Para cumprir este objectivo, o FEFSS terá de vender os seus activos em carteira – ou seja, abrir mão de um conjunto diversificado de investimentos seguros, onde se incluem acções de empresas e títulos de dívida de outros países da OCDE.[3]
Em primeiro lugar há que notar um erro de palmatória em matéria de investimentos: o FEFSS é obrigado a pôr todos os ovos no cesto da dívida pública. Ao primeiro trambolhão que o cesto sofra, perdem-se duma assentada décadas de quotizações dos trabalhadores – ou seja, as suas reformas.
Além disso monta-se uma curiosa pescadinha de rabo na boca: os trabalhadores por conta de outrem são obrigados a comprar com as suas poupanças (as quotizações para a Segurança Social) títulos da dívida pública que os sufoca. E depois, através dos impostos, eles próprios vão pagar os respectivos juros que deviam receber! Em suma: os trabalhadores ficam obrigados por lei a comprar a corda que vai enforcá-los.
 
O que é a Segurança Social
 
A Segurança Social nada tem a ver com a máquina do Estado; é um instrumento autónomo dos trabalhadores. É um fundo colectivo para a garantia de rendimentos de substituição em casos de aposentação, doença ou desemprego. O dinheiro arrecadado não pode ser utilizado para benefício de outras entidades, incluindo o governo.
Até à data, a Segurança Social sempre foi superavitária.[4] O resultado dos sucessivos saldos positivos criou um fundo entre 8 mil milhões e 11,5 mil milhões de euros[5], financeiramente geridos pelo Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social (IGFCSS).vi Não é difícil adivinhar que um tal volume de capitais suscita o apetite, a cobiça e os mais baixos instintos de todos os especuladores financeiros, que vêem aí um potencial maná livre riscos e de juros.
Entretanto, a dívida bruta à Segurança Social passou de € 8503 M em 2011 para € 9778 M no ano passado, sendo a sua esmagadora maioria da responsabilidade de empresas.
 
Os fundos da Segurança Social são distintos do erário público
 
Os dinheiros da Segurança Social são autónomos; provêm da quotização dos trabalhadores. A sua natureza e a sua origem são distintas dos impostos.
Há no entanto quem confunda impostos e quotizações. Quanto maior for a confusão e a promiscuidade entre impostos e quotizações, entre Estado e Segurança Social, mais fácil será desviar os recursos colectivos autónomos para mãos privadas.
Daqui se conclui que tem de ser reposta na ordem do dia a necessidade de autonomizar a gestão da Segurança Social, sob controle dos trabalhadores.
 
Um golpe palaciano
 
Ao obrigar o FEFSS, por simples portaria (que apenas depende da assinatura de um ministro), a comprar doses maciças de títulos da dívida pública portuguesa, o Governo executa um autêntico golpe palaciano: a autonomia da Segurança Social fica definitivamente ferida e subordinada aos objectivos do Governo. Estamos em presença de uma redefinição da Segurança Social que apenas poderia ser feita por uma assembleia nacional constituinte e desde que aceite pelas organizações directamente representativas dos trabalhadores.
Há que reconhecer algum génio nesta portaria de Vítor Gaspar: depois de aplicados 90% dos fundos disponíveis da Segurança Social na compra de títulos da dívida portuguesa, anular ou renegociar a parte ilegítima da dívida equivalerá a dar o golpe de misericórdia na Segurança Social, pois uma parte considerável dos rendimentos dos trabalhadores já terá sido transferida para os buracos orçamentais do Governo.
Por fim, esta manobra deixa adivinhar a proximidade duma fase de desastre da dívida pública: nem o último dos inocentes acreditaria que a banca nacional e internacional e os especuladores financeiros deixassem escapar para o FEFSS um negócio no valor de milhares de milhões de euros, se ele fosse prometedoramente rentável.
 
Lisboa, 9-07-2013
 


[1] Os autores:
Vítor Lima: economista; autor de numerosos estudos sobre economia, finanças e segurança social publicados em http://grazia-tanta.blogspot.pt/.
Rui Viana Pereira: revisor e tradutor; co-autor de Quem Paga o Estado Social em Portugal? e de «E Se Houvesse Pleno Emprego?», in A Segurança Social É Sustentável (Bertrand, Lisboa, 2012 e 2013 respectivamente); co-fundador do CADPP.
Ambos são membros activos do grupo cívico Democracia & Dívida.
[2] Portaria n.º 216-A/2013, de 2 de Julho.
[3] «Actualmente, 55% da carteira do FEFSS está investida em dívida pública portuguesa e 25% em dívida pública de outros Estados da OCDE. Existe ainda uma parcela de 17% investida em acções de empresas estrangeiras.» (ibidem)
[4] Ver, entre outros: António Bagão Félix, Jornal de Negócios, 9-07-2013; Vítor Lima, A dívida à Segurança Social - o longo conluio entre empresários manhosos e o Estado (2013); Renato Guedes e Rui Viana Pereira, Quem Paga O Estado Social em Portugal? (2012).
[5] Consoante as flutuações de mercado, em particular da dívida portuguesa.
vi O FEFSS é gerido pelo Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social (IGFCSS), um órgão que pretende garantir a «manutenção da sustentabilidade do actual sistema de segurança social», através da aplicação financeira de «uma parcela entre 2 e 4 pontos percentuais do valor correspondente às quotizações dos trabalhadores por conta de outrem, além dos saldos anuais do subsistema previdencial, receitas resultantes da alienação de património e os ganhos obtidos nas aplicações financeiras» (Portaria 1273/2004 http://www4.seg-social.pt/documents/10152/21719/Port_1273_2004).
 



A este comunicado enviado à imprensa os autores aproveitam a publicação neste site para acrescentarem o seguinte:
 
Os eixos centrais da acção na fase actual
 
O assalto à Segurança Social tornou-se, em Portugal, um dos epicentros da política neoliberal, a par de outros dois: o desemprego e a precarização sistemática das relações de trabalho.
Ao dizermos «epicentro», referimo-nos àquilo que mais imediatamente é visível e sentido pela maioria da população – e que por isso mesmo mais facilmente (e com maior proveito imediato) pode ser mobilizador. É nestes três epicentros que se devem apostar os cartuchos – e não em manobras políticas institucionais às quais uma grande parte da população portuguesa, já demasiado escaldada, tenderá naturalmente a encolher os ombros e virar costas.
A Segurança Social é uma das conquistas mais notáveis e necessárias à sobrevivência dos trabalhadores. Não atender a este epicentro da luta das populações, não o colocar no eixo das propostas de acção política, organizativa e mobilizadora, corresponde a uma traição com efeitos devastadores, incluindo perda de vidas.
 


 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Entendam-se ou Procuram-se?


As negociações da troika nacional – PSD, PS e CDS – estão a pôr nervosos os ricos portugueses. Na estrita defesa do interesse nacional, que confundem com o seu, lançaram um apelo ao «entendimento».
Podiam, com um pouco mais de coragem, pedir o regresso de Marcelo Caetano.
É de sublinhar ser Daniel Bessa o promotor deste «apelo» e não Eduardo Catroga.
A paginação do i merece aplausos.
No i on-line, em encarte, apareceu, a partir do meio-dia, uma notícia que dava conta de que «A jornalista Maria João Avillez rejeita que seja apoiante do manifesto».
Ficou assim a saber-se que foi a fonte do jornal e, em contrapartida, a Jajão ganhou mais uma fotografia no i.

 
Jornal i 18/7/13
Apelo da elite económica aos partidos: entendam-se!
Luís Rosa e Pedro Rainho

Promotores do apelo falam em “contactos com o Presidente da República”, mas Belém nega conhecimento da iniciativa

Um movimento de empresários e gestores, encabeçado pelo economista Daniel Bessa, juntou-se ontem ao coro dos que publicamente tentam forçar o acordo para o "compromisso de salvação nacional" entre PSD, PS e CDS, ao lançar um "apelo aos partidos" para que se “entendam”.
Numa troca de emails entre promotores e alguns dos 20 subscritores, a que o i teve acesso, lê-se que “nestes últimos dias” houve “vários contactos nas áreas do poder, incluindo o Presidente da República”, que tornaram “crucial” a tomada de posição “patriótica”. Além de Daniel Bessa, estão outras personalidades próximas de Cavaco Silva (caso de José Miguel Júdice), o que lançaria a dúvida sobre um patrocínio de Cavaco ao apelo.
Belém nega, no entanto, qualquer intervenção ou conhecimento da iniciativa. “Houve contactos em vários momentos” entre alguns dos subscritores e o Presidente da República, e “muitos deles têm procurado transmitir essa ideia à Presidência”, reconhece fonte de Belém. A recente conferência com economistas sobre o pós-troika ou as audiências pedidas a Cavaco Silva por algumas personalidades que assinam o apelo foram os momentos de “contacto”, mas a mesma fonte acrescenta estar “a constatar agora” a divulgação da iniciativa.
“Temos perfeita consciência de que este apelo terá de sair hoje [quarta-feira]. Hoje à tarde/noite, jogar-se-á o acordo [entre os três partidos]. Ou vai ou racha!”, podia ler-se na mensagem enviada aos ainda possíveis subscritores para sublinhar a necessidade de que o apelo fosse divulgado ainda ontem. No texto do apelo, os promotores reconhecem que, passados dois anos da assinatura do Memorando, houve “alguns resultados positivos” (a nível externo), “objectivos que não foram cumpridos” (nas finanças públicas e nas reformas estruturais) e medidas que deixaram “um rasto de sofrimento (de que o desemprego constitui o exemplo maior)”.
 
 
Mas por recear que os partidos “não cheguem a acordo, em prejuízo de todos nós”, e porque “o tempo não é de recuar mas de avançar”, os subscritores deixam a mensagem aos responsáveis políticos: “Entendam-se, nos termos que só os próprios determinarão, condicionados, para que o exercício cumpra os objectivos pretendidos, ao acordo das entidades que hoje nos financiam” - pelo menos até regresso a um financiamento livre nos mercados.
Entre os 20 subscritores finais, estão, além de Bessa, Francisco van Zeller, José Manuel Morais Cabral e João Talone. Morais Cabral disse ao i que “a regra desta iniciativa era que fosse colectiva e aberta, e o ponto comum dos signatários (estes e os que se juntarem) é este Apelo. Qualquer comentário individual destrói essa regra”. O i tentou, sem sucesso, contactar outros subscritores.
 
Maria João Avillez não apoia movimento de apelo
 
A jornalista Maria João Avillez rejeita que seja apoiante do manifesto que ontem vários economistas e gestores lançaram aos partidos para alcançarem um acordo de compromisso de salvação nacional.
Esse manifesto foi revelado em exclusivo pelo i, de acordo com documentação a que jornal teve acesso. 
Contudo, Avillez, em declarações ao i, revelou que não é apoiante desse manifesto.
O jornal i lamenta o sucedido e apresenta as suas desculpas a Maria João Avillez.
 
por ANTÓNIO MELO

quarta-feira, 17 de julho de 2013

COMO É QUE AQUI CHEGAMOS?

 

Perante a constante subida das taxas de desemprego (Em Portugal, já ultrapassa os 17,5%), parece-me útil e urgente dar um saltinho ao passado, como ponto de partida para uma reflexão que precisa de ser feita.

Podemos dizer que, até ao séc. XVIII, o trabalho assenta essencialmente na utilização de mão-de-obra escrava ou servil, sem direitos, condenada ao desprezo, à vergonha e a um estatuto de inferioridade.
Os grupos privilegiados (Nobreza e Clero) viviam nobremente, o que quer dizer dos rendimentos da muita terra de que eram proprietários, do serviço de Deus ou do Estado; enquanto a Burguesia enriquecia com os lucros do comércio, sobretudo a partir do séc. XVI, com a expansão do comércio marítimo.
O trabalho era, portanto, o trabalho manual, considerado como desprezível.
O Iluminismo (séc. XVIII), tendo como base as ideias de filósofos como Montesquieu, Rousseau ou Voltaire, vai alterar essa concepção com a defesa da liberdade, dos direitos e igualdade dos indivíduos e, até, da soberania popular.
São esses os ideais da Revolução Francesa (1789), que se difundem no mundo ocidental e elevam, pelo menos teoricamente, camponeses e artesãos ao estatuto de cidadãos e, por conseguinte, lhes reconhecem a dignidade que antes lhes era negada.
Mas não pensemos que melhoraram as suas condições de vida.
Associada a esta transformação está a revolução industrial, que cria actividades e necessidades novas, levando grande parte da população dos campos a mudar-se, para as cidades, onde vai trabalhar nas fábricas e viver em condições tão ou mais miseráveis do que as que tinha antes.
Durante o séc. XIX, são frequentes os relatos das condições deploráveis em que viviam os agora operários. Afastados das suas origens, vivem em bairros de lata ou caves sem o mínimo de condições; trabalham muitas horas e recebem salários baixos. As mulheres e as crianças são ainda mais exploradas por patrões sem escrúpulos ou compaixão.
O triunfo do Liberalismo é o triunfo da burguesia. A sociedade burguesa é feita de contrastes. De um lado, a elite burguesa que domina a economia e a política; do outro, a miséria do proletariado.
E, se os operários cedo iniciam a revolta, primeiro de forma espontânea e logo organizados em sindicatos; aparecem muitos pensadores, que defendem uma sociedade mais justa onde não exista “a exploração do homem pelo homem”. Dos chamados socialistas utópicos aos marxistas, é da luta por uma sociedade mais justa e mais igual que se trata.
A Revolução Soviética e a Crise dos Anos 30, contribuíram para que alguns países enveredassem pela Social-Democracia que, a par de uma maior intervenção do Estado na economia (para limitar os abusos do capitalismo), procurava o estabelecimento do equilíbrio entre as classes por meio de reformas sociais, promovendo a elevação das condições de vida dos trabalhadores.
 
Picasso.Pobres à beira-mar
 
Quer tudo isto dizer que a caminhada dos trabalhadores tem sido árdua, sofrida, feita de revoltas e de luta.
O chamado Estado Social, não sendo perfeito, garantiu a protecção possível aos trabalhadores e aos mais vulneráveis da sociedade. Foi um avanço civilizacional extraordinário. Sabemos, agora, que aquilo que tomámos como adquirido, está em perigo.
Entretanto, fomos deixando que o capitalismo financeiro se instalasse e ditasse a lei, cego pela ganância, indiferente ao mal que provoca.
Eles, os senhores do dinheiro, foram influenciando políticas que servissem os seus interesses (como a globalização sem regras), que destruíssem as nossas capacidades produtivas, para nos reduzirem à categoria de indigentes que acabarão por aceitar a tal “tigela de arroz” como paga do seu trabalho. Aliás, não precisam de nós, enquanto tiveram os milhões de chineses, indianos e outros a fazê-lo.
Dizem que a situação mudou e que temos de nos adaptar.
Cá por mim, não quero adaptar-me. Quero é que eles percebam que estou aqui, e não sozinha com toda certeza, para os enfrentar, para os combater, para lutar pelo que considero justo e bom, honrando os trabalhadores que nos precederam. Não fazer isso era tornar inútil a luta que travaram.
 
Mas será que isto basta? Não, não basta.
Não podemos ignorar que a evolução tecnológica dispensa, cada vez mais, o trabalho humano. E temos de pensar o que fazer com esta evidência.
Não encontro solução que não passe pela resposta a esta pergunta: Qual deve ser o fim último de todo o nosso esforço?
Talvez esta seja a resposta mais difícil de encontrar.
Será, porventura, necessário repensar todas as bases em que assenta a nossa sociedade e a vida de cada um de nós. 


terça-feira, 16 de julho de 2013

Registos de leituras

O «interesse nacional»

Muito se fala de «interesse nacional», categoria imanente e absoluta, a pairar sobre tudo o mais. A asserção vem, habitualmente, dos setores da direita educada sob a mão férrea do S de «servir Salazar». A que se escandaliza com a possibilidade de um governo de esquerda, mas não se inquieta com os ricos do país nem onde têm eles o dinheiro que por cá ganham. Dizem que isso é o «direito de propriedade».
O jornalista João D’Espiney publicou no jornal i de ontem (16/7/13) um quadro sobre os vencimentos dos banqueiros europeus. Um ranking que não nos deixa mal colocados. Numa lista de 19 países europeus estamos na 8ª posição.
 
 
Dois outros registos vindos de crónicas que comentam (ainda) a atitude de Cavaco Silva que não demitiu nem conduziu a remodelação do XIX Governo e criou o modelo de conversações a três partidos – a troika da governabilidade.
O catedrático Meneses Leitão, da direita, lamenta que Passos Coelho não tenha dito ao PR que no governo mandava ele, se dele não gostasse devia demiti-lo a ele, Passos Coelho.
Mário Soares, na sua crónica semanal no Diário de Notícias, qualifica de caótica a decisão de Cavaco Silva e considera que «humilhou» Passos Coelho e Paulo Portas, que não tiveram a dignidade de se demitir. Aponta para um «Governo de Salvação Nacional» e até dá um palpite para o chefiar – Silva Peneda.
 
Jornal i 16/7/13
O ataque
 
Cavaco Silva decidiu atacar os três principais partidos portugueses forçando-os a um acordo. Avisou logo, porém, que se não obedecessem haveria outras soluções, como um governo de iniciativa presidencial. Ao mesmo tempo, deixou o governo a prazo até Junho de 2014, nem sequer dando posse aos novos governantes.
Este ataque deveria ter tido uma resposta à altura. O primeiro-ministro deveria ter imediatamente comunicado que é a ele que cabe decidir a composição do seu governo, por isso ou o Presidente o demitia ou dava posse imediatamente aos novos membros do governo. Ao mesmo tempo, avisaria que, se fosse demitido, a maioria rejeitaria no parlamento qualquer governo de iniciativa presidencial, fosse ele dirigido por um Monti ou por um Tonti. E quanto ao acordo com o PS é no parlamento e não em Belém que esses acordos são discutidos, não cabendo ao Presidente a iniciativa de os propor. O Presidente que se limitasse assim a exercer as suas competências, que o governo e o parlamento não deixariam de exercer na plenitude as suas.
Ao aceitarem submeter-se a este ultimato, os líderes partidários prestaram um mau serviço à democracia, que fica em risco com essa sua menorização. O país precisa do confronto democrático, não de partidos que aceitam atentos, veneradores e obrigados às imposições de Belém. E, como se viu pela imediata subida dos juros, nem os sacrossantos mercados acreditam neste devaneio do Presidente.
 
Diário de Notícias 16/7/13
O caos está instalado
1- Como ninguém se entende depois do discurso do Presidente Cavaco Silva, o caos é total. Mas falta o principal: este Governo de Passos Coelho, que está há muito moribundo e completamente paralisado, não teve a dignidade de se demitir. Por isso, tudo continua na mesma. Sem que ninguém veja uma saída para o futuro deste País. Mas há...
Os mercados e a troika já perceberam que com este Governo tudo irá de mal a pior. O descrédito é total, como a imprensa internacional vem manifestando. Não somos a Grécia, dizia com um orgulho tonto Passos Coelho, o fiel aluno da chanceler Merkel. Pois não. Somos piores que a Grécia.
Os portugueses sabem que com Passos Coelho tudo irá mal, sem remédio. Vítor Gaspar, quando se demitiu, numa carta lúcida que tornou pública, acusou Passos Coelho e responsabilizou-o. Enquanto persistir este Governo nada se modifica. É verdade, e cria um total vazio.
O Presidente da República, no seu discurso, humilhou Passos Coelho e o seu atual aliado, Paulo Portas, que muda de opinião como quem muda de camisa. O Governo que Passos Coelho tinha fabricado para convencer Portas e que continha como ministros dirigentes do CDS/PP, afinal, não existe.
Portas não será vice-presidente do Governo, mas tão-só ministro dos Negócios Estrangeiros, como era. Perante tal humilhação, Passos Coelho e Portas nem sequer protestam. Porque o que querem é continuar no Governo a todo o custo, venham as humilhações que vierem...
O contrário do que pensam os portugueses, que acham que enquanto Passos Coelho não desaparecer como primeiro-ministro nada de bom lhes pode acontecer. E Portas? Estava ao lado de Passos Coelho, na última sessão do Parlamento, como um cordeirinho. E falou sem dizer nada de jeito. Uma tristeza da parte de um homem inteligente mas, ao que parece, sem carácter...
Para os portugueses vítimas de tantos atropelos, roubo das pensões, desemprego, que os obriga a emigrar, sem saber como valer aos filhos, a prioridade das prioridades consiste na demissão do Governo. É também a opinião do PS, do PCP, do Bloco de Esquerda, na sua esmagadora maioria, das centrais sindicais, dos parceiros sociais, e mesmo dos empresários e de alguns banqueiros.
Partilho, cem por cento, essa opinião, embora não tenha hoje nenhuma responsabilidade política e nem a queira ter. Limito-me a pensar e a dizer o que penso.
E quem substitui o Governo Passos Coelho/Portas? Há várias soluções que o Presidente da República pode escolher: um Governo de Salvação Nacional, dirigido por um homem sério e não ligado aos negócios, como Silva Peneda ou outros, uma vez que o Presidente da República não quer convocar eleições, antes de 2014 e recusa - e bem - um Governo de iniciativa presidencial. O essencial, como pensam os portugueses, é que este Governo caia e desapareça, antes que caia a mal.
Os partidos - sem exceção - estão em queda na opinião dos portugueses, como a política e os políticos em geral. Era bom que se entendessem sobretudo os da esquerda (ou que se reclamam da esquerda) sem terem partido nenhum. Mas também os sociais-democratas anti-Passos Coelho, que são obviamente importantes e devem começar a agir. Há hoje uma onda cívica de pessoas que não se reveem em nenhum partido, mas querem agir política e civicamente e que o têm feito. É óbvio que os partidos têm de se modificar e desburocratizar. Porque os partidos são necessários e essenciais em democracia.
O Presidente disse no seu discurso que os três partidos do arco do poder se devem entender. Agora? Mas como, se nestes dois últimos anos o Governo Passos Coelho só tentou inferiorizar o PS de todas as formas, como lembrou o deputado e antigo presidente dos Açores, Mota Amaral, insuspeito, com o seu bom senso e sabedoria habituais.
Isso é uma impossibilidade aparente. Só se o PS fosse dirigido por alguém que não tivesse senso, o que não é obviamente o caso. Como as referências permanentes em relação à assinatura do memorando, o qual já teve sete avaliações. Onde isso já vai?... Quem foi além do memorando foi o Governo Passos Coelho, com uma subserviência total em relação à troika. Mais ninguém. Por sinal quis sempre ir além da troika, cada vez mais austeridade, para agradar à sua mestra Angela Merkel, como todo o País sabe... Que tem o PS a ver com as avaliações até à atual? Nada!
A austeridade só agravou a situação portuguesa, cometendo-se erros e mais erros, como reconheceu Vítor Gaspar. E tendo estado, desde então, a vender a retalho o nosso património, continuando a dever cada vez mais dinheiro à troika e aos mercados usurários que a comandam. Há que gritar: BASTA! Este Governo não pode continuar a destruir o País e a empobrecer, até aos limites da miséria, os portugueses, de todas as classes e sobretudo os mais pobres.
Cavaco Silva não pode esperar nada de bom - e sobretudo a paz em que temos estado - se espera continuar com este Governo, mesmo humilhado, até junho de 2014. Reflita em que situação estaremos todos, a começar por ele próprio...
Constituir um Governo de Salvação Nacional com gente incorrupta e patriótica. É do que precisamos como de pão para a boca. Se assim não for, o seu discurso terá sido uma boa vingança mas não faz qualquer sentido.
 
ANTÓNIO MELO