quinta-feira, 11 de julho de 2013

Cavaco declarou a 'Guerra suave'

 
Ele ronda,
eles rondam,
vós admirados,
nós tramados.
 
           
 tugaleaks. com
 

 Afinal abriram as hostilidades entre Cavaco Silva e os partidos políticos. A declaração de guerra surgiu ontem, nos últimos 5’ de uma até aí aborrecida peroração sobre os males do céu que cairiam sobre todos os portugueses, sem distinção, se houvesse eleições antecipadas para 29 de setembro – embora seja nesse dia que se realizam eleições autárquicas.
Deixando de lado o que era previsível, ou seja os 10’ iniciais, dê-se atenção ao que foi novo.
O atual PR apenas se considera presidente dos portugueses que estão «conscientes» da responsabilidade do Memorando de Entendimento com a troika. Os restantes são vadios que volta e meia acampam nos jardins em frente da residência presidencial, num abuso e desrespeito pela figura presidencial.
Acresce que os partidos «do arco da governabilidade» não são todos iguais. O PSD é o primeiro e por isso governa; o CDS/PP é o segundo e por isso coliga-se; o terceiro é o PS e por isso fica à porta, espécie de mordomo a conduzir os convidados aos aposentos presidenciais.
Assim, numa linguagem enxuta de adjetivos e superlativos, Cavaco Silva indicou que o (seu) país precisava de um governo de «salvação nacional», a ser composto pelos partidos atrás designados, segundo a ordem estabelecida, mas com período de validade delimitado – até junho do próximo ano.
Nessa altura o PR convocará eleições legislativas, assegurada que esteja a ordem pública e longe o protetorado da troika. Conta que este ano de vigência da «salvação nacional» baste para esclarecer a população de que não pode sonhar sequer em votar a 56% nos partidos de esquerda – PS, PCP e BE.
Para já, as ambições de Paulo Portas e comandita ficam sem efeito. Vai regressar ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, para continuar a fazer o que tem feiro – viajar para fora da Europa a vender computadores portáteis e outras bugigangas.
Os negócios emergentes ficam com Cavaco Silva e o presidente do Banco de Portugal, mais algumas figuras públicas de reputação inquestionável.
Disse tudo isto com a cara de pau que lhe faz de rosto e foi-se embora.
Dois comentários merecem ser assinalados, entre o caudal que inundou os écrans televisivos. Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, disse que se os dirigentes que depois da revolução de Abril fossem do quilate do atual PR, certamente que teríamos um regime bem pouco democrático. O porta-voz do PS garantiu que o PS não aceitaria tarefas governativas que não fossem legitimadas pelo voto popular e João Assunção Ribeiro acentuou um dado que não é de somenos no debate político europeu dos países em crise – «a olímpica ocultação da grande diferença entre Portugal e a situação da Grécia ou da Itália». Nesses países, sublinhou o porta-voz socialista, «os arranjinhos informais geraram alternativas anti Europa, antissistema, antidemocracia e antieuro. Cá, goste-se ou não, a alternativa é o PS» (jornal i, 11/7/13).
Realce-se o detalhe sobre o «gosto», que efetivamente provoca engulhos a direita e à esquerda. À direita, ficou ontem dito pelo próprio, a unidade faz-se sob a batuta presidencial.
À esquerda é o arco-íris, maravilhoso e evanescente. Os partidos que ontem foram desprezados por Cavaco Silva, que nunca os mencionou – PCP, BE e Verdes – não conseguiram, nem mesmo assim, estabelecer uma declaração conjunta que lavasse a afronta democrática. Foi preciso vir o secretário-geral da CGTP-IN a dizê-la.
Para lá desta pluralidade de filosofias políticas há, ainda, a das sensibilidades diversificantes. Entre a «necessidade» de um verdadeiro partido de esquerda, postulada por Rui Tavares, na sua Esquerda Livre, e a de um «criação de um novo partido político», lançada por Paulo Trigo Pereira na sua crónica mensal do Público (7/7/13), devemos ainda incluir a «inevitabilidade» do partido desejado por Jorge Bateira no seio da Convergência e Alternativa.
Ao que se ouve por aí, as proposituras de novas – literalmente «novas» – organizações partidárias, não se encerra por aqui.
Há neste bulício um problema provavelmente genético – a esquerda é muito lampeira em ver a tranca no olho da direita, mas custa-lhe tirar o argueiro do seu.
Pode ser que o choque político que aí vem permita uma refundação.
Pode ser. Mas só com alguma modéstia individual e muita vontade coletiva.
 António Melo
 

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