terça-feira, 16 de julho de 2013

Registos de leituras

O «interesse nacional»

Muito se fala de «interesse nacional», categoria imanente e absoluta, a pairar sobre tudo o mais. A asserção vem, habitualmente, dos setores da direita educada sob a mão férrea do S de «servir Salazar». A que se escandaliza com a possibilidade de um governo de esquerda, mas não se inquieta com os ricos do país nem onde têm eles o dinheiro que por cá ganham. Dizem que isso é o «direito de propriedade».
O jornalista João D’Espiney publicou no jornal i de ontem (16/7/13) um quadro sobre os vencimentos dos banqueiros europeus. Um ranking que não nos deixa mal colocados. Numa lista de 19 países europeus estamos na 8ª posição.
 
 
Dois outros registos vindos de crónicas que comentam (ainda) a atitude de Cavaco Silva que não demitiu nem conduziu a remodelação do XIX Governo e criou o modelo de conversações a três partidos – a troika da governabilidade.
O catedrático Meneses Leitão, da direita, lamenta que Passos Coelho não tenha dito ao PR que no governo mandava ele, se dele não gostasse devia demiti-lo a ele, Passos Coelho.
Mário Soares, na sua crónica semanal no Diário de Notícias, qualifica de caótica a decisão de Cavaco Silva e considera que «humilhou» Passos Coelho e Paulo Portas, que não tiveram a dignidade de se demitir. Aponta para um «Governo de Salvação Nacional» e até dá um palpite para o chefiar – Silva Peneda.
 
Jornal i 16/7/13
O ataque
 
Cavaco Silva decidiu atacar os três principais partidos portugueses forçando-os a um acordo. Avisou logo, porém, que se não obedecessem haveria outras soluções, como um governo de iniciativa presidencial. Ao mesmo tempo, deixou o governo a prazo até Junho de 2014, nem sequer dando posse aos novos governantes.
Este ataque deveria ter tido uma resposta à altura. O primeiro-ministro deveria ter imediatamente comunicado que é a ele que cabe decidir a composição do seu governo, por isso ou o Presidente o demitia ou dava posse imediatamente aos novos membros do governo. Ao mesmo tempo, avisaria que, se fosse demitido, a maioria rejeitaria no parlamento qualquer governo de iniciativa presidencial, fosse ele dirigido por um Monti ou por um Tonti. E quanto ao acordo com o PS é no parlamento e não em Belém que esses acordos são discutidos, não cabendo ao Presidente a iniciativa de os propor. O Presidente que se limitasse assim a exercer as suas competências, que o governo e o parlamento não deixariam de exercer na plenitude as suas.
Ao aceitarem submeter-se a este ultimato, os líderes partidários prestaram um mau serviço à democracia, que fica em risco com essa sua menorização. O país precisa do confronto democrático, não de partidos que aceitam atentos, veneradores e obrigados às imposições de Belém. E, como se viu pela imediata subida dos juros, nem os sacrossantos mercados acreditam neste devaneio do Presidente.
 
Diário de Notícias 16/7/13
O caos está instalado
1- Como ninguém se entende depois do discurso do Presidente Cavaco Silva, o caos é total. Mas falta o principal: este Governo de Passos Coelho, que está há muito moribundo e completamente paralisado, não teve a dignidade de se demitir. Por isso, tudo continua na mesma. Sem que ninguém veja uma saída para o futuro deste País. Mas há...
Os mercados e a troika já perceberam que com este Governo tudo irá de mal a pior. O descrédito é total, como a imprensa internacional vem manifestando. Não somos a Grécia, dizia com um orgulho tonto Passos Coelho, o fiel aluno da chanceler Merkel. Pois não. Somos piores que a Grécia.
Os portugueses sabem que com Passos Coelho tudo irá mal, sem remédio. Vítor Gaspar, quando se demitiu, numa carta lúcida que tornou pública, acusou Passos Coelho e responsabilizou-o. Enquanto persistir este Governo nada se modifica. É verdade, e cria um total vazio.
O Presidente da República, no seu discurso, humilhou Passos Coelho e o seu atual aliado, Paulo Portas, que muda de opinião como quem muda de camisa. O Governo que Passos Coelho tinha fabricado para convencer Portas e que continha como ministros dirigentes do CDS/PP, afinal, não existe.
Portas não será vice-presidente do Governo, mas tão-só ministro dos Negócios Estrangeiros, como era. Perante tal humilhação, Passos Coelho e Portas nem sequer protestam. Porque o que querem é continuar no Governo a todo o custo, venham as humilhações que vierem...
O contrário do que pensam os portugueses, que acham que enquanto Passos Coelho não desaparecer como primeiro-ministro nada de bom lhes pode acontecer. E Portas? Estava ao lado de Passos Coelho, na última sessão do Parlamento, como um cordeirinho. E falou sem dizer nada de jeito. Uma tristeza da parte de um homem inteligente mas, ao que parece, sem carácter...
Para os portugueses vítimas de tantos atropelos, roubo das pensões, desemprego, que os obriga a emigrar, sem saber como valer aos filhos, a prioridade das prioridades consiste na demissão do Governo. É também a opinião do PS, do PCP, do Bloco de Esquerda, na sua esmagadora maioria, das centrais sindicais, dos parceiros sociais, e mesmo dos empresários e de alguns banqueiros.
Partilho, cem por cento, essa opinião, embora não tenha hoje nenhuma responsabilidade política e nem a queira ter. Limito-me a pensar e a dizer o que penso.
E quem substitui o Governo Passos Coelho/Portas? Há várias soluções que o Presidente da República pode escolher: um Governo de Salvação Nacional, dirigido por um homem sério e não ligado aos negócios, como Silva Peneda ou outros, uma vez que o Presidente da República não quer convocar eleições, antes de 2014 e recusa - e bem - um Governo de iniciativa presidencial. O essencial, como pensam os portugueses, é que este Governo caia e desapareça, antes que caia a mal.
Os partidos - sem exceção - estão em queda na opinião dos portugueses, como a política e os políticos em geral. Era bom que se entendessem sobretudo os da esquerda (ou que se reclamam da esquerda) sem terem partido nenhum. Mas também os sociais-democratas anti-Passos Coelho, que são obviamente importantes e devem começar a agir. Há hoje uma onda cívica de pessoas que não se reveem em nenhum partido, mas querem agir política e civicamente e que o têm feito. É óbvio que os partidos têm de se modificar e desburocratizar. Porque os partidos são necessários e essenciais em democracia.
O Presidente disse no seu discurso que os três partidos do arco do poder se devem entender. Agora? Mas como, se nestes dois últimos anos o Governo Passos Coelho só tentou inferiorizar o PS de todas as formas, como lembrou o deputado e antigo presidente dos Açores, Mota Amaral, insuspeito, com o seu bom senso e sabedoria habituais.
Isso é uma impossibilidade aparente. Só se o PS fosse dirigido por alguém que não tivesse senso, o que não é obviamente o caso. Como as referências permanentes em relação à assinatura do memorando, o qual já teve sete avaliações. Onde isso já vai?... Quem foi além do memorando foi o Governo Passos Coelho, com uma subserviência total em relação à troika. Mais ninguém. Por sinal quis sempre ir além da troika, cada vez mais austeridade, para agradar à sua mestra Angela Merkel, como todo o País sabe... Que tem o PS a ver com as avaliações até à atual? Nada!
A austeridade só agravou a situação portuguesa, cometendo-se erros e mais erros, como reconheceu Vítor Gaspar. E tendo estado, desde então, a vender a retalho o nosso património, continuando a dever cada vez mais dinheiro à troika e aos mercados usurários que a comandam. Há que gritar: BASTA! Este Governo não pode continuar a destruir o País e a empobrecer, até aos limites da miséria, os portugueses, de todas as classes e sobretudo os mais pobres.
Cavaco Silva não pode esperar nada de bom - e sobretudo a paz em que temos estado - se espera continuar com este Governo, mesmo humilhado, até junho de 2014. Reflita em que situação estaremos todos, a começar por ele próprio...
Constituir um Governo de Salvação Nacional com gente incorrupta e patriótica. É do que precisamos como de pão para a boca. Se assim não for, o seu discurso terá sido uma boa vingança mas não faz qualquer sentido.
 
ANTÓNIO MELO


Sem comentários:

Enviar um comentário